Tem dias que o corpo acorda. Levanta, toma banho, responde mensagem, atravessa a rua sem tropeçar. Tá tudo ali: as pernas, os olhos, o reflexo na porta do elevador. Mas a cabeça… a cabeça ficou em algum lugar entre o travesseiro e o último pensamento da noite passada. E por mais que o corpo insista, a mente simplesmente não vai.
Ele cumpre todos os gestos mínimos de estar vivo, como quem assina presença numa aula que não queria estar.
Não é sono. Não é preguiça. É cansaço de dentro. Um tipo de esgotamento que não se vê no espelho, mas se arrasta pela rotina feito sombra: discreto, mas pesado.
A cabeça pesa mais que o travesseiro. Os pensamentos parecem ter se embaralhado durante a noite, como se o sono tivesse sido só uma pausa mal feita. A mente está ali, mas não está. Distraída, esgotada, quase pedindo socorro em silêncio.
Muita gente chama isso de burnout. E sim, o termo existe — é sério, clínico, validado, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde. Mas o burnout, tecnicamente, é um estado de esgotamento ligado ao ambiente de trabalho: excesso de demandas, pressões constantes, metas inalcançáveis, falta de reconhecimento. É quando o profissional vai sendo consumido aos poucos, como uma vela acesa dos dois lados, até só restar o pavio.
Mas e quando o esgotamento vem da vida? Quando o trabalho é só uma parte, ou nem é a principal, do que está drenando você? Quando o cansaço não vem de bater ponto, mas de existir?
Calma. Esse texto não é um pedido de socorro e muito menos um apelo dramático sobre crise existencial. Quando digo que existir pode ser cansativo, me refiro ao esgotamento de estar presente todos os dias, o tempo inteiro, de forma inteira para tudo o que acontecer.
Aí, talvez, o nome seja outro: estafa mental. Um tipo de exaustão mais difusa, que se espalha feito poeira num quarto fechado. Vem do excesso de estímulo. De nunca desligar. De sempre ter algo pra resolver, responder, lidar, sustentar. Da hiperconexão, da cobrança interna, do medo de decepcionar, da mania de querer dar conta de tudo.
Estafa é o que sentimos quando até o que é bom cansa. Quando um encontro entre amigos soa exaustivo. Quando o entretenimento parece barulho. Quando o silêncio assusta. Quando o simples ato de escolher gera cansaço e você desiste por fadiga.
É um esgotamento que não vem só do fazer, vem do ser. Ser filha, amiga, parceira, adulta, saudável, funcional, interessante, presente, atenta, profissional, criativa, engraçada, prestativa. A pressão de performar uma vida equilibrada enquanto, por dentro, as coisas estão nebulosas.
É manter as mil abas abertas, da vida prática, da emocional, da digital, sem nunca conseguir fechar nenhuma. E sabe o mais curioso? Às vezes, a gente não está fazendo tão absurdo. Só está fazendo tudo sem parar. Sem intervalo entre uma coisa e outra. Sem perceber que algumas tarefas, por menores que pareçam, exigem uma energia mental enorme.
Responder uma mensagem difícil. Tomar uma decisão importante. Participar de uma conversa emocionalmente delicada. Lidar com um ambiente barulhento. Estar disponível o tempo todo.
Nem sempre o que nos sobrecarrega é o volume de tarefas. Mas a maneira como elas se acumulam sem pausas, sem respiros, sem respeitar os diferentes pesos que cada uma carrega.
E aí, a mente dá sinais. Esquecimentos. Irritabilidade. Insônia. Sensação de estar sempre "atrasada", mesmo sem saber para onde vai. Vontade de sumir por uns dias, não por raiva, por exaustão. Mas a gente vai empurrando. Vai dizendo "é só uma fase". Vai sobrevivendo com café, piada autodepreciativa e choros no silêncio.
Mas não precisa ser assim.
A mente também precisa de pausa, de acolhimento, de tempo. E descanso não é só dormir oito horas por noite. Descanso é presença, é limite, é dizer não sem culpa. É perceber que desacelerar não é fraqueza, é sabedoria, cuidado. Que ninguém é forte o tempo todo e, por mais que muitos tentem convencer do contrário, ninguém dá conta de tudo por muito tempo.
E é aí que mora o segredo: não é sobre fazer menos. É sobre distribuir melhor.
Tem coisas que pedem mais entrega, esforço mental, dedicação. Se a gente coloca todas elas juntas, sem espaço entre uma e outra, o cansaço vira um tsunami. E aí, até o que era leve começa a parecer demais.
Organizar a rotina pensando em níveis de desgaste ajuda a preservar a mente. Alternar tarefas densas com outras mais simples. Colocar respiros entre momentos intensos. Permitir que o corpo acompanhe o ritmo do pensamento. Cansar o corpo para desafogar a mente.
Não é um plano perfeito, mas prestar atenção nesse tipo de detalhe muda o jogo. A gente não para de se cansar, mas aprende a se poupar.
E é isso que faz diferença no fim do dia.
Reconhecer o que pesa, o que exige, o que consome. E fazer escolhas mais gentis com a gente mesma. Porque a mente não precisa estar no limite para merecer cuidado. Ela só precisa ser ouvida para não chegar no limite.
Hoje não tem música porque eu também preciso de silêncio de vez em quando.
Hoje eu postei uma newsletter exatamente sobre isso e seu post apareceu agora aqui 🫶🏻
É exatamente isso, não percebemos o quanto as mínimas escolhas acumuladas nos cansam, parece que o básico fica chato e exaustivo… O psicólogo Roy Baumeister chamou esse fenômeno de “ego depletion” ou esgotamento do cérebro 🧠
Vejo que caímos em armadilhas que criamos e quando percebemos é tarde demais, meu primeiro burnout foi assustador, o segundo foi ainda pior. Temos que ter limites e respeitar nossos valores pessoais.